100 dias no Twitter do presidente Jair Bolsonaro

  • fabio_vasconcelos |15 abril, 2019

    Blog | Instituto Informa

    100 dias no Twitter do presidente Jair Bolsonaro

    Introdução

    O presidente da República, Jair Bolsonaro, completa 100 dias de Governo ainda com muitas dúvidas sobre a sua capacidade de coordenação política para implantar a agenda através da qual foi eleito. Mas, ao menos no campo da comunicação, Bolsonaro tem mantido a mesma estratégia que contribuiu para a sua eleição: o uso intenso das mídias sociais para mobilizar a agenda pública.

    A comunicação direta de líderes políticos com a sociedade é um fenômeno presente em diversas democracias, e tem despertado a atenção de pesquisadores interessados em compreender os efeitos desse novo modelo. Ele não substitui a comunicação mediada pelos meios tradicionais de comunicação, como a imprensa, mas, certamente, adiciona um ingrediente capaz de produzir impactos nos fluxos de informação e na maneira pela qual a opinião pública se organiza nos meios digitais.

    Dado esse contexto, este estudo analisa os 100 primeiros dias das publicações do presidente Bolsonaro, no Twitter. Nesse período, o presidente conseguiu mobilizar o debate a partir de seus posts, estimulando a atenção dos seus seguidores e da imprensa para as suas mensagens. No dia 5 de março, porém, um post do presidente com um vídeo com cenas de nudez de dois homens, em um bloco de carnaval, teve ampla repercussão negativa na opinião pública.

    O impacto daquela publicação suscita duas perguntas que este estudo procura analisar: a) O post do “Golden Shower” afetou a capacidade de engajamento do presidente no Twitter?, b) Bolsonaro alterou a sua estratégia de comunicação no microblog desde então?

    Para o estudo, foram extraídos os tuítes publicados pela conta do presidente do dia 1º de janeiro até 7 de abril de 2019, totalizando exatos 97 dias de publicações. A extração considerou apenas os tuítes próprios do presidente, isto é, sem os retuítes da sua conta. Desse modo, foi possível identificar 467 posts próprios. Os dados foram organizados controlando-se por duas classificações: antes e após o post do “Golden Shower”, de modo que fosse possível fazer as comparações.

    A segunda etapa da análise considerou o conteúdo escrito nos 467 posts. Como na primeira fase, os conteúdos também foram analisados separadamente antes e após o post do “Golden Shower”. A análise foi realizada a partir da identificação das palavras mais associadas estatisticamente e, na sequência, a distribuição espacial dos clusters dessas palavras. Essa distribuição permitiu identificar os “mapas” de palavras, informando, em certo sentido, como esses agrupamentos formam uma agregação temática perseguida pelo presidente.  

    Principais conclusões

    1. Embora apresente queda na média de engajamentos, quando comparada com a de janeiro/19, primeiro mês pós-eleições, os dados sugerem que não é possível afirmar que a publicação do post “Golden Shower” tenha produzido efeitos na capacidade de Jair Bolsonaro gerar engajamentos nas suas publicações no Twitter. A polêmica do post veiculado durante o carnaval parece ter mobilizado mais avaliações negativas na opinião pública off-line. No microblog, seus seguidores continuam engajados nas publicações do presidente.
    2. A manutenção das taxas médias de engajamentos no Twitter, contudo, contrasta com uma mudança na estratégia de conteúdo dos posts do presidente. Antes da polêmica do “Golden Shower”, havia três agrupamentos temáticos bem definidos sobre os conteúdos publicados por Bolsonaro. No primeiro grupo, com cerca de 37% dos termos, temos a temática que classificamos como uma tentativa de “geração de expectativas dos eleitores”. O segundo grupo, com 32% dos termos mais associados estatisticamente, forma uma temática classificada como “resposta à agenda”, na qual Bolsonaro atuou, principalmente, tratando da tragédia de Brumadinho. Com 24% dos termos, o terceiro grupo é formado por palavras que sugerem uma temática de “divulgação” da agenda presidencial e dos ministérios.
    3. Após o episódio do post “Golden Shower”, Bolsonaro passa a adotar uma maior variedade de assuntos, reduzindo certamente aqueles posts com potencial de gerar polêmicas. Em função disso, há uma maior dispersão espacial dos termos tratados nos posts. Do ponto de vista temático, temos agora quatro grandes grupos com palavras mais associadas. Um primeiro, com 29% dos termos, em que o presidente assume a defesa das ações dos seus ministros e dos seus ministérios. No segundo grupo, com 27% das palavras associadas, estão os posts em que Bolsonaro trata especificamente de ampliar a divulgação das suas ações nas redes sociais, como lives, entre outros. Em um terceiro grupo, com 22% dos termos, estão as publicações que tratam da Reforma da Previdência ou dos seus impactos. Finalmente, no último agrupamento, com 19%, estão os posts em que Bolsonaro se posiciona sobre questões internacionais, como saudação a presidentes com quem esteve reunido ou para condenar ações violentas ocorridas em outros países.
    4. Os dados sugerem, portanto, que Bolsonaro mantém a sua capacidade de engajamento entre os seus seguidores no Twitter após a polêmica do post do “Golden Shower”. A manutenção das taxas de engajamentos foi acompanhada de uma mudança na estratégia de comunicação no Twitter, no qual agora Bolsonaro parece ter assumido o papel de principal agente de comunicação do

    Governo nas mídias sociais. Para isso, ele passou a tratar mais de assuntos de Governo, como a questão da Reforma da Previdência, a divulgação das ações dos ministérios e, para potencializar a sua visibilidade nas redes, posts em que procura mobilizar atenção dos seguidores para outras intervenções, como os lives no Facebook que voltou a fazer semanalmente.

    Análise dos engajamentos

    Os dados da conta do Twitter do presidente Jair Bolsonaro sugerem que o polêmico post do “Golden Shower” não teria produzido efeito direto no volume de publicações conforme a Figura 01. Embora em janeiro, a variedade do total de posts seja maior, a sua média é muito próxima dos meses seguintes. A cada dia, o presidente publicou, em média, cinco posts no Twitter.

    Figura 01: Total de posts publicados por Bolsonaro  no período de 01 de janeiro a 7 de abril de 2019

    No agregado, o total de engajamentos (retuítes + curtidas) também não sugere mudanças significativas. Como já havia sido identificado em estudo anterior produzido pelo Instituto Informa, o total de engajamentos nos posts do presidente apresenta queda entre janeiro e fevereiro. Esse comportamento era esperado, em função do fim do clima de campanha, quando o envolvimentos dos eleitores tende a se reduzir. 

    A partir de fevereiro, como é possível observar na Figura 02, o total de engajamentos no Twitter de Bolsonaro mantém média relativamente estável no tempo, mesmo após a publicação do post “Golden Shower”.

    Figura 02: Total de engajamentos dos posts do presidente 

    Jair Bolsonaro, entre 01 de janeiro e 07 de abril

    Mesmo quando analisamos a taxa de engajamentos no período, isto é, o total de engajamentos dividido pelo total de seguidores, os dados da Figura 03 indicam que os apoiadores do presidente continuam ativos nas redes em torno das publicações do presidente. 

    Figura 03: Taxa média de engajamento nos posts do presidente Bolsonaro no Twitter

    Quando dividimos os períodos e calculamos as médias da taxa de engajamentos dos posts, observamos que, aparentemente, a polêmica do post do “Golden Shower” ocorreu muito mais no ambiente fora das redes sociais. Os dados sugerem que a taxa média por dia se manteve estável entre fevereiro e março. Em abril, apresenta pequena queda, mas é preciso observar que o total de posts desse mês limita, por ora, esse tipo de conclusão.

    Figura 04: Taxa média de engajamento por dia nos 

    posts de Jair Bolsonaro no Twitter

    Estratégia de Comunicação

    Os dados do total de publicações e engajamentos, como observado anteriormente, ficam incompletos quando deixam de ser combinados com o estudo do conteúdo das publicações de Jair Bolsonaro no Twitter. Nesta segunda etapa do estudo, passamos a analisar os posts do presidente. Ele manteve a mesma estratégia usada antes da publicação do “Golden Shower”? Ou a manutenção das médias observadas anteriormente é fruto de uma nova estratégia adotada após o polêmico post do carnaval?

    Nesta fase do estudo, utilizamos a análise de Classificação Hierárquica Descendente (CHD), uma técnica que procura identificar, a partir de todos os textos incluídos em um software de análise de texto, as classes de palavras que apresentam proximidade ao longo das publicações. Esse resultado permite reduzir a distribuição das palavras a um número de classes, considerando os termos mais frequentemente usados e que apresentam associação estatística.

    Conforme podemos observar na Figura 05, os posts do presidente antes da publicação do “Golden Shower” podem ser classificados em três grupos de palavras. Cerca de 37% delas compõe a classe 3 (azul), com termos como “Brasil”, “resgatar”, “confiança”, “economia” e “Deus”. O segundo grupo, a classe 2, com cerca de 32% das palavras, é formado por palavras como “Brumadinho”, “abraço”, “público”. Com 24% dos termos, o terceiro grupo é formado por palavras como “presidente”, “estado”, “imprensa”, “Bolsonaro” e “cargo”. 

    Figura 05: Classes de palavras mais associadas no Twitter de Bolsonaro  antes do post “Golden Shower”

    A Figura 06 apresenta as classes identificadas pelo software no conteúdo dos posts do presidente após o episódio do “Golden Shower”. Nesse caso, a análise identificou quatro e não apenas três grupos de palavras mais associadas estatisticamente. Esse dado sugere que o presidente passou a incluir novos temas nas suas publicações.

    Como é possível observar, 30% do conjunto de palavras estão na classe 1

    (vermelha), formada por termos como “ministro”, “trabalho”, “participar”, “damares” e “mulher”. O segundo grupo com a maior proporção de palavras é a classe 4 (lilás), formada por termos como “Jair Bolsonaro”, “live”, “assunto”, “semana” e “falar”. O grupo de palavras classe 3 (azul) apresenta os termos “gerar”, “previdência”, “reduzir” e “benefício”.  

    Figura 06: Classes de palavras mais associadas no Twitter de Bolsonaro  após do post “Golden Shower”

    Uma segunda forma de análise de conteúdo procura produzir a distribuição especial das classes identificadas no CHD. Esse tipo de estudo fornece elementos ainda mais robustos para a interpretação dos resultados, uma vez que distribui os dados segundo o grau de aproximação ou distanciamento das classes de palavras. Em resumo, com a análise fatorial é possível identificar visualmente a temática que agrega os conjuntos de palavras associadas estatisticamente.

    Figura 07: Distribuição das palavras mais associadas no Twitter de Bolsonaro 

    antes do post “Golden Shower”

    Figura 08: Distribuição das palavras mais associadas no Twitter de Bolsonaro  após do post “Golden Shower”

    A Figura 07, que traz a distribuição das palavras mais associadas no Twitter de Bolsonaro antes do post “Golden Shower”, indica a formação de três clusters bem definidos de termos. O primeiro, em vermelho, pode ser classificado como uma temática vinculada à divulgação das ações do governo. O segundo agrupamento, em azul, traz um conjunto de termos usados por Bolsonaro que sugerem uma tentativa do presidente de estimular as expectativas positivas dos seus seguidores nas ações do Governo. 

    O terceiro grupo forma uma temática pouco clara dada a variedade de termos. É possível dizer que esse cluster compõe posts do presidente sobre a tragédia em Brumadinho, além de publicações em que ele procurou explicar como o Governo estava agindo em algumas áreas.

    Após a publicação do post “Golden Shower” vemos, na Figura 08, uma maior distribuição de palavras associadas utilizadas pelo presidente nas suas publicações no Twitter. Aparentemente, a estratégia foi de diversificar os assuntos, produzindo uma maior variabilidade dos termos. Pela Figura 08,

    podemos identificar quatro clusters, sem a distribuição mais clara observada no período anterior ao “Golden Shower”. Na Figura 08, observa-se uma proximidade forte entre os grupos vermelho e verde, e uma maior espaçamento dos conjuntos lilás e azul. 

    O grupo de palavras lilás sugere a formação de uma temática bastante associada à divulgação das ações do presidente nas mídias sociais, normalmente convidando os seguidores para acompanhar lives e outras postagens nas demais redes. O agrupamento, na cor vermelha, representa o conjunto de posts em que Bolsonaro divulga ações dos seus ministros de Estado em várias áreas, enquanto o cluster azul estão palavras associadas à temática da Reforma da Previdência.

    Finalmente, o agrupamento na cor verde traz um conjunto de termos em que Bolsonaro se posiciona sobre questões internacionais, como saudação a presidentes com quem esteve reunido ou para condenar ações violentas ocorridas em outras nações. 

    Em resumo, a estratégia de conteúdo de posts do presidente no Twitter, como é de se esperar, está muito associado à agenda de acontecimentos do país, bem como da agenda do próprio Governo. Enquanto na primeira fase, antes do Golden Shower, prevalecia ainda certo clima de campanha, na segunda etapa o presidente começa a responder mais claramente aos temas da semana, bem como a estratégia de assumir mais diretamente a defesa do seu Governo e das suas políticas, como a Reforma da Previdência, cujo debate ficou mais intenso após a abertura dos trabalhos no Congresso.

    Conclusões

    O teste realizado neste estudo procurou examinar se a polêmica em torno do post do “Golden Shower”, publicado no carnaval pelo presidente Jair Bolsonaro, teria impactado a sua capacidade de mobilizar a sua rede no Twitter. A análise dos 100 dias das publicações demonstra que, apesar de um declínio no total de engajamentos imediatamente ao período eleitoral, Bolsonaro tem conseguido manter relativamente estável a média de interações na sua rede. 

    Em outros termos, seus seguidores mantem atenção e interesse nas publicações do presidente, contribuindo para a disseminação da sua mensagem, mesmo após a polêmica da publicação do “Golden “Shower”.

    O estudo procurou analisar também o conteúdo dos posts do presidente da República. Pelos dados, podemos dizer que há sinais de mudança na estratégia discursiva de Bolsonaro. Ao que tudo indica, o presidente passou a assumir mais claramente a defesa do seu Governo ou, se preferirmos, passou a assumir o papel de principal divulgador das ações do Governo.

    Enquanto no período anterior ao “Golden Shower”, prevaleciam as estratégias de a) divulgação das ações do presidente, b) estímulo às expectativas positivas dos seguidores e c) posicionamento público sobre agendas do país, como o caso da tragédia de Brumadinho, no período após a publicação polêmica, observa-se quatro temáticas nos posts: a) divulgação das ações do presidente nas mídias sociais, normalmente convidando os seguidores para acompanhar lives e outras postagens nas demais redes, b) posts em que Bolsonaro divulga ações dos seus ministros de Estado, c) Reforma da Previdência e d) posicionamento sobre questões internacionais. 

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    Fábio Vasconcelos

    Doutor em Ciência Política pelo IESP/UERJ, mestre em Comunicação Social e professor universitário. Trabalhou por 17 anos como jornalista de O Globo, onde criou e coordenou em 2014 o Núcleo de Jornalismo de Dados. É especialista em análise de dados e pesquisas quantitativas. Entre 2017 e 2018, foi coordenador-adjunto do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV-RJ, onde foi também pesquisador do Congresso em Números