PÓS-VERDADE: O NOVO STATUS DO VELHO BOATO
Em meados dos anos noventa, em um setembro quente do populoso bairro da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a deputada em campanha visitava os eleitores de casa em casa, convidando para o comício na praça principal. Após a caminhada de seis horas sob o sol escaldante, ao chegar ao local do comício, em um espaço reservado atrás do palco, puxou uma dessas cadeiras de plástico patrocinadas por cervejaria, emprestada pelo dono de um boteco próximo. Recompondo-se de uma desgastante empreitada, enxugava o rosto com uma toalha enquanto falava com assessores próximos: “não vejo a hora de chegar em casa, tomar um banho e tirar esse cheiro de pobre”. Por azar da deputada, o microfone estava ligado e sua fala fora reproduzida pelas caixas de som instaladas na praça, que estava repleta de pessoas esperando o comício. A revolta tomou conta da multidão, que iniciou uma quebradeira. A deputada, sob escolta e vaias, deixou o lugar para nunca mais voltar. A história chegou a muitos outros bairros, o que dificultou a campanha da deputada. A notícia se espalhou como rastilho de pólvora nos tempos em que as redes sociais ainda engatinhavam. O fato nunca existiu: criação de opositores, que espalharam o boato com ajuda de aliados em diversos bairros para prejudicar a campanha da deputada.
Deram um novo nome aos boatos. Muito do comportamento humano foi rebatizado nos tempos de internet, com isso se veem comportamentos antigos como se fossem práticas nascidas da tecnologia. Alguns afirmam: “a pós-verdade é um fenômeno das redes sociais”. É boataria que sempre existiu, mas que se potencializou, ganhando velocidade e alcance com a tecnologia. Outros apregoam: “com as redes sociais as pessoas passaram a buscar a aprovação dos outros” – também não é novidade; o processo identitário do indivíduo sempre dependeu dos grupos sociais de convivência. Outros vociferam: “Mark Zuckerberg é o criador das interações sociais” – Não!!! Os processos de interação são estudados desde os anos 50 (o Facebook e similares deram amplitude aos processos de interação). Não se pode chamar de novo o que sempre existiu.
Independentemente das novas formas de comunicar, boatos podem ser devastadores. As pessoas sabem disso! Apresentar uma prática detestável antiga como um novo fenômeno pode não ser didático e tende a adiar o ensinamento básico de que não se deve divulgar por aí tudo que é lido na internet.