RELATÓRIO DE ANÁLISE DE DISCURSOS COM REFERÊNCIAS A PREFEITOS E VEREADORES – (coleta: 19/11/18 A 16/12/18)

  • patricia |08 fevereiro, 2019

    Blog | Instituto Informa

    RELATÓRIO DE ANÁLISE DE DISCURSOS COM REFERÊNCIAS A PREFEITOS E VEREADORES – (coleta: 19/11/18 A 16/12/18)





    ¹ IraMuTeQ 0.7 alpha2 . nuvem de palavra
    ² IraMuTeQ 0.7 alpha2 . análise de similitude


     

    A partir de uma coleta de postagens no Twiter e no Instagran  realizada no período 19/11/18 a 16/12/12, foi feito um levantamento de termos associados às ideias de prefeito e vereador. Trata-se de um estudo publicado pelo Instituto Informa (https://blogattentio.com/2019/01/22/relacao-dos-cidadaos-com-prefeitos-e-prefeituras-nas-redes-sociais-sintomas-para-2020/). As associações lexicais verificadas pelo mencionado estudo permitem a extração de significados presentes no imaginário popular e são capazes de revelar tendências e valores latentes na instância cidadã com relação às concepções que se guardam acerca da imagem geral de “prefeitos” e “vereadores”. Tais tendências e valores tendem a participar de modo relevante da complexa rede de elementos determinantes de escolhas eleitorais futuras.

    Assim, o estudo que aqui se apresenta tomou os recortes discursivos colhidos pela pesquisa anterior, agora em escala amostral, para a realização de uma análise qualitativa dos elementos que, sendo subjacentes às escolhas lexicais, determinam sua seleção e ganham eco nas redes sociais. Para a análise, foram utilizados os pressupostos teóricos da Análise Semiolinguística do Discurso e, como ferramenta de apoio, utilizaram-se recursos do software IraMuTeQ. Destacamos, ainda, que a presente análise não se assenta na imagem de um agente público em especial, mas naquilo que se percebe como associação simbólica geral em relação aos cargos de prefeito e de vereador.

    Se considerarmos que o período analisado corresponde ao pós-eleições, havendo aí expectativas latentes quanto aos eleitos em esfera federal e estadual, entenderemos que  prefeitos e vereadores, naturalmente, assumem menor relevo no cenário social, sobretudo em um contexto de grandes polarizações e calorosos debates observados nas mídias digitais com relação ao pleito recente. A justificativa da pesquisa desses termos em um período aparentemente desinteressante para o tema se funda exatamente nesse fato, ou seja, se o engajamento popular com relação ao assunto é baixo, as simbologias presentes nos recortes discursivos analisados tendem a ser menos contaminadas pela discussão personificada, ficando mais em evidência as instâncias (prefeito e vereador) do que os ocupantes desses postos. Além disso, o fato de o tema não pertencer à grande pauta, dá às postagens a ele relacionadas um outro valor, uma vez que, de maneira geral, essas postagens têm motivações mais profundas do que aquelas que se dão pelo impulso do contexto criado pelas próprias redes sociais.

    Como desconsideramos na análise qualitativa postagens que correspondem a informativos veiculados por perfis oficiais e/ou por gabinetes, tais como calendários de pagamentos, horários de sessões, inaugurações etc, a significativa maioria dos recortes analisados passaram a corresponder a críticas, sendo raro encontrar naquilo que consiste na voz popular manifestações elogiosas. É preciso compreender esse fato dentro de um quadro maior, que passa pela própria compreensão das redes sociais como um espaço de poder do cidadão comum. A instância cidadã concebe, assim, os espaços virtuais de comunicação como ambientes em que a indignação pode (e deve) ser exposta para ser vista. Nesse sentido, se trouxermos à reflexão o antagonismo historicamente construído entre a instância popular e a classe política, percebe-se que as críticas funcionam como uma reafirmação do “lugar de fala”[1] do cidadão. Em outras palavras é como se, ao tomar a palavra para uma manifestação elogiosa ao político, o cidadão estivesse saindo do seu lugar e migrando para a esfera política. Daí a necessidade de ressalvas nas poucas postagens que traziam conteúdos elogiosos[2].

    No que tange ao teor geral dos recortes discursivos analisados, observou-se uma forte carga emocional e um baixo uso de argumentos que levem a uma linha lógica de pensamento. Assim, o que se tem, via de regra, é um discurso marcado por uma alta carga de sentimentos negativos, nem sempre claramente racionalizados pelo enunciador. O largo uso de termos grosseiros e de palavras de baixo calão evidencia a sobreposição das emoções em relação à racionalidade. Foram encontrados no corpus analisado, além de uma gama de palavrões, expressões e arranjos sintático-semânticos como “essa desgraça dessa ponte”; “isso não adianta nada”; “a população só se ferra”; “isso tem nome: canalhice”; “renovando a sacanagem”; “leizinha xexelenta”…

    Numa percepção mais profunda, o material analisado revela uma profunda subjetivação dos conceitos políticos estudados, o que extrema, na voz popular, a confusão entre emoção e razão. Muitas escolhas materiais postas em discurso evidenciam, na verdade, pulsões que brotam do fundo das histórias pessoais de quem escreve nesses espaços públicos. Após essas pulsões, que, na verdade, conferem a tônica da atividade discursiva analisada, é que se buscam razões sociais, morais, éticas que as justifiquem e que, definitivamente, não protagonizam esse espaço discursivo. O cenário político estudado se situa num quadro de antagonismo com a instância cidadã. É preciso que a instância política que será colocada na arena eleitoral administre com muita destreza essa relação de negação sobre os políticos, equilibrando razões e emoções, desejos e possibilidades, de modo a evocar identidades que favoreçam a adesão do eleitor à candidatura.

    Nesse ambiente de críticas, de emoções latentes e de consequente descontentamento com a realidade presente, a negação do que se tem se manifesta muitas vezes explicitamente como o desejo do “novo”. Assim, o que se viu em cenário nacional com relação à configuração de uma imagem política afastada de simbologias políticas clássicas e já desgastadas no imaginário social se repete na esfera municipal. “Renovação é preciso”, “Não reeleja vereadores”, “Quem reelege vereador, vou te contar!”, “Esse aí nunca mais” são exemplos de um tom discursivo que indica a insatisfação com o presente e a sua negação. Vale ressaltar, no entanto, que o “novo” não significa no imaginário popular necessariamente o inédito, mas o que não comungue com o atual. Daí se pode compreender que, em muitos momentos, a evocação da “novidade” venha acompanhada de elementos simbólicos associados a resgates (de valores, de posturas, de percepções do real). Esse aparente paradoxo mostra que o que, de fato, subjaz ao que designa como “novo”, é o “outro”. Na construção da identidade de sua candidatura, é necessário que o sujeito político compreenda bem esse desejo, que se faz ver em escala global, nacional, e também municipal.

    Participam da construção desse contexto de descontentamento elementos reveladores de simbologias que, embora a grosso modo possam ser confundidas com o próprio descontentamento em si, em um olhar mais atento são capazes de indicar sentimentos e percepções do real que geram e nutrem o que, genericamente, pode ser chamado de insatisfação. Nesse contexto de simbologias associadas às imagens de prefeitos e vereadores, damos destaque inicial à da desconfiança. Em uma leitura apenas quantitativa, a ocorrência do item lexical “corrupção” conta com 464 ocorrências em um universo de 48.914 constatações do item “prefeitura”. Assim, poder-se-ia supor que a associação entre os termos é de menos de 1%, o que, de fato, pode ser verdadeiro… Ocorre que a análise qualitativa revela que a simbologia da desconfiança, que é um sentimento ainda mais profundo do que o descrédito[3], manifesta-se por meio de estruturas bastante variadas, com apelos semânticos por muitas vezes mais contundentes do que o trazido pelo signo “corrupção”, tais como “bandidos”, “crimes”, safados”, “propinas”, “roubo”, “corja”, “fraude”, e outros como “desvios”, “suspeita”, “denúncia”, “improbidade”. Para além das palavras, muitos arranjos textuais são também materializadores desse sentimento da instância cidadã em relação à sua representação nas câmaras e prefeituras: “Quanto a prefeitura gastou e quanto realmente foi para a obra?”; “O Ministério Público tem que investigar a prefeitura.”; “Isso deveria ser denunciado.”; “Os argumentos sobre aprovação/rejeição de contas de prefeitos e ex-prefeitos são meramente politiqueiros.”; “…prefeitos individualistas, sem noção de pátria e república… apenas bolso cheio”.; “O cara já assume com o objetivo de enriquecer.”; “Em sessão relâmpago, Câmara aprova contas de três prefeitos.” (grifos nossos)[4].

    A má gestão muitas vezes surge nos recortes discursivos analisados como elemento associado às simbologias acima mencionadas, alimentando percepções negativas que concorrem para a construção do descrédito e da desconfiança. Noções de desperdício, morosidade, inoperância, imprudência, mesmo não pertencendo à mesma cadeia semântica da corrupção, evocam no imaginário popular percepções bastante semelhantes… “E muita coisa está errada em estados e municípios por causa deles e de sua administração péssima. Uma tristeza.”; “… prefeitos não fazem a lição de casa”; “Meu gato está mais parado do que obra da prefeitura.”.

    Nesse mesmo sentido, verifica-se, ainda, como muito presente no material analisado o fenômeno da “judicialização da política”. Trata-se aqui da recorrente evocação à justiça[5] como instância que se coloca entre o cidadão e o político. Essa recorrência ratifica a percepção do antagonismo entre a classe política e a instância cidadã, as quais são, nesse cenário de judicialização, representadas como partes em litígio: “Justiça pediu afastamento de oito prefeitos.”; “Testemunhas de processos contra ex-prefeitos…”; “prefeitos respondem por improbidade”; “flagrados por corrupção, malversação do dinheiro público, precisa ir para a justiça isso.”; “O Ministério Público também investiga pagamento de propina na prefeitura.”.

    Vale ressaltar aqui que a mobilização de credibilidade e a conquista da confiança são fundamentais para a consecução da adesão. Isso porque credibilidade e confiança são capitais fundamentais na lógica da representatividade democrática. Confiança é, etimologicamente, “garantir com o outro”, ou seja, confiar é “depositar fé”. Em uma escolha democrática, o voto nada mais é do que um depósito de fé. A adesão a uma candidatura envolve a confiança na representatividade. Nesse sentido, o quadro geral aponta para a necessidade de se criarem ferramentas capazes de mobilizar a “fé” de uma cidadania “descrente”.

    Entre essas ferramentas, destaca-se, indubitavelmente, o resgate do sentimento de representatividade, uma vez que fica latente nos recortes discursivos analisados a falta desse sentimento. As atitudes enunciativas e os elementos através dos quais essas atitudes ganham forma são reveladores de uma percepção de vereadores e prefeitos como representantes de si, alheios aos anseios da população: “… a lei não existe porque não tem interesse de quem tá lá para fazer isso.”; “(…) a prefeitura fazendo alterações na lei do conselho municipal da juventude sem consultar nenhum jovem…”; “tô aguardando uma resposta da prefeitura, mas nem isso eles me dão.”; “Tem que botar os filhos deles na escola pública.”; “É tanto buraco que parece um queijo suíço.”; “Ninguém faz nada pelo povo.”; “Essa corja vai aprender a não enganar o povo.”; “O vereador contornou minha pergunta e cortou meu microfone. Assim que funciona a política.”.

    Nesse contexto, verifica-se que o sentimento maior, que é o de descontentamento / insatisfação, nasce de percepções menores e delas se alimenta. A falta de representatividade leva muitas vezes os cidadãos (enunciadores do material analisado) a se colocarem em um lugar de consumidores insatisfeitos (“Queremos que haja recall anual de juízes, prefeitos, professores, governadores, deputados, vereadores.”). A relação de consumo, nesse caso, é ratificadora da fragilidade dos elos de representatividade, fundados na credibilidade e confiança. Em outras palavras, o sentimento do eleitor equivale ao de um consumidor insatisfeito com um produto cujo desempenho não condiz com o anunciado… Diante desse quadro, coloca-se a necessidade de, a exemplo do que ocorre com o universo do consumo, desenvolverem-se, além das campanhas preocupadas com a adesão, projetos de fidelização e manutenção de diálogo intenso e constante entre a esfera política e a instância cidadã.

    Outra observação trazida pela análise está ligada à generalização da classe política. De maneira geral, fora de períodos eleitorais, o cidadão tende a “pasteurizar” a classe política com a qual se antagoniza discursivamente. No material analisado essa prática se confirma e, excetuando-se os recortes que traziam vinculações com a polarização do cenário nacional, os quais foram descartados pela metodologia adotada neste estudo, verifica-se uma percepção do “político” (prefeito e vereador) como uma espécie genérica, o que se observa, muitas vezes, pela ausência de determinantes associados aos termos “prefeito” e “vereador” e também por estruturas como as seguintes: “Esse esquema todos os políticos fazem.”; “mudaram as estações, nada mudou… esses caras são todos iguais”; “tudo só piora”.

    É necessário registrar ainda um sentimento de desvalorização que chega à ridicularização. As simbologias relacionadas a esse “desvalor” se encontram presentes, sobretudo, nas menções a vereador: “Ele não faz valer nem mandato de vereador” (grifo nosso); “Seu irmão parece vereador, que ri pra todo mundo kkkkk”; “Vereador desaparecido perto da favela (…) ou é bandido ou foi cheirar…”; “Vai desviar tudo mesmo, que é igual a Robin Hood kkkkkk Ri demais”; “Se o vereador te xingou, você tá no caminho certo.”; “É vereador puxa-saco…”; “Até pra vereador vai ser castigada na net…” (grifo nosso); “Coisa de vereador de cidade pequena”. Verifica-se, assim, que a percepção social de vereadores é impregnada muitas vezes pelo menosprezo e até pelo risível, de modo a fazer evidente um sentimento de “desprezo” pela função legislativa municipal, que não raramente aparece discursivamente com a roupagem do “desnecessário”: “Já viu quanto custa esse monte de vereador?”; “Não ao 13º de vereador”; “Mas que tal negociar corte nos privilégios dos vereadores…”.

    A análise revela, pois, que na base de uma insatisfação explicitada por um discurso carregado de emoções, reside uma profunda hostilidade entre a instância cidadã e a classe política. Nesse cenário, misturam-se elementos simbólicos que se traduzem em descrédito e desconfiança, sobretudo decorrentes de percepções associadas a ilicitudes e má gestão e ratificadas pela atmosfera de judicialização da política. A generalização da classe política e a crise de representatividade também se colocam, de acordo com o material analisado, como importantes desafios a serem enfrentados pela democracia brasileira nas esferas municipais.


    [1] Embora o termo “lugar de fala” seja hoje muito associado aos estudos acerca do feminismo, tomo-o aqui em uma perspectiva mais geral, a fim de designar o grupo social de pertencimento (a camada cidadã) em oposição ao grupo social de estranhamento (a classe política).

    [2] Vale registar que, entre as pouquíssimas ocorrências de manifestações elogiosas espontâneas, encontrou-se nelas um interessante traço comum: a concessão argumentativa. Ou seja, o internauta se coloca primeiramente como um crítico, mas, com relação a um fato específico, elogia. (Ex.: “Deixo claro que sou oposição ferrenha das coisas erradas, mas não posso deixar de elogiar o que dá certo…”). Essa postura ratifica a ideia de que a instância cidadã encontrou nas redes sociais – fora dos períodos de exacerbação das polarizações eleitorais – o seu espaço de reclamações, um sentimento de “poder de voz” e usa as ressalvas para resguardar o seu “lugar de fala”.

    [3] Ainda que sejam, no uso social da língua portuguesa, entendidos como sinônimos, na acepção simbólica que trazemos aqui, a “desconfiança” é entendida como um sentimento além do “descrédito”. Assim, o “descrédito” diz respeito à não credibilidade, àquilo ou àquele que não mobiliza o sentimento de que se pode depositar “fiança”, ou seja, o que não mobiliza a “fé”; a “desconfiança”, por seu turno, diz respeito à dúvida, àquilo que não apenas não mobiliza “fiança”, “fé”, mas evoca receio, sugere o nebuloso, o reprovável.

    [4] Os exemplos trazidos neste relatório são ilustrativos e visam apenas à exemplificação das observações trazidas pela análise qualitativa, a qual baseou suas conclusões no total das ocorrências da amostragem.

    [5] O material analisado registra também críticas pontuais à justiça, como instância por vezes desacreditada. Não entraremos, todavia, nessa seara por não constituir o foco do presente relatório.

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    Patrícia Corado

    Possui graduação em Letras (2000), especialização em Língua Portuguesa (2002), mestrado em Letras pela Uerj (2005) e doutorado em Letras pela Uerj (2009). Tem Pós-doutorado realizado sob a orientação do Dr. André Crim Valente (Uerj), na área de Língua e Discurso (2014), e atualmente desenvolve um segundo projeto de pós-doutoramento na área de Análise Semiolinguística do Discurso, sob a orientação da Dra. Rosane Monnerat (UFF) . É professora do Instituto Federal Fluminense (IFF) e tem experiência na área de Letras, com ênfase em Língua, discurso e ideologia.